6 de abr. de 2011

Artigo: "Infraestrutura, Geopolítica e desenvolvimento na integração sul-americana - uma visão crítica à IIRSA"





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Infraestrutura, Geopolítica e desenvolvimento
na integração sul-americana – uma visão crítica À IIRSA

Raphael Padula [1]

Introdução

A Iniciativa para Integração de Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) é a principal iniciativa em curso na região para tratar do tema da infraestrutura. Criada em 2000, no âmbito da Primeira Reunião de Presidentes da América do Sul, foi impulsionada pela liderança brasileira e, especialmente, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, apoiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Tal Iniciativa fundou-se nas concepções político-ideológicas predominantes na conjuntura de sua criação, tendo como um de seus pilares o regionalismo aberto, visão difundida pela CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e o Caribe) a partir dos anos 1990 (CEPAL, 1994), que encara a integração regional como um processo de progressivo aprofundamento da liberalização econômica intra-regional, mas que trabalharia em ultima instância como um alicerce do processo de liberalização econômica internacional. Ainda, foi influenciada pela lógica geoeconômica de facilitação de fluxos econômicos e pela visão neoliberal que preconiza, além da abertura econômica com especialização baseada em vantagens comparativas estáticas, uma limitada participação do Estado na economia, já presentes nos planos plurianuais (PPAs) de governo de Cardoso.

Assim, esta Iniciativa se embasou no que chamamos de visão dominante sobre integração regional. A característica desta visão é encarar o processo de integração regional como em contínuo aprofundamento, progressivo e irreversível - ainda que possam ocorrer retrocessos temporários – na direção do cumprimento de etapas, com um último fim a se alcançar o livre comércio intra-regional, - o mercado comum regional, a união monetária regional e, em algumas análises, a união política regional. Neste aprofundamento, está sempre presente a formação de uma área regional de livre fluxo de comércio (bens e serviços) e investimentos (capitais), o papel limitado e decrescente do Estado, trabalhando como construtor das instituições supranacionais e regras que diminuam crescentemente seu grau de poder, capacidade de discrição e influência no âmbito regional em favor da supranacionalidade. É interessante a importância que o investimento privado, notadamente a inversão externa, assume nesta perspectiva como promotor do desenvolvimento, e, assim, influencia as perspectivas quanto à construção de regras e instituições no âmbito da integração. Estas análises em diferentes esferas da integração, dispersas entre diversos autores, foram reunidas, por exemplo, no documento do Banco Interamericano de Desenvolvimento de 2002, Beyond Borders: The New Regionalism in Latin America.

Apoiando-se nas concepções realista e geopolítica clássica das Relações Internacionais e estruturalista da Economia Política, a visão proposta neste trabalho diverge da concepção dominante. Intitulamos esta concepção de político-estratégica – na qual não prevalecem as forças econômicas e de mercado - e a levamos para a análise da integração regional de infraestrutura.

O estruturalista Raul Prébisch, em influente artigo de 1959 (O mercado comum latino-americano) publicado no âmbito da CEPAL, observou a importância que teria a construção de um amplo mercado regional, protegido da concorrência extra-regional, para avançar na implantação de indústrias de alta tecnologia espalhadas pelos países da região, especialmente os menores. E, assim, para que os países da região se desenvolvessem e reduzissem suas restrições de divisas e vulnerabilidade externa. Este autor propôs um arranjo de integração levado de forma gradual e flexível, com políticas diferenciadas (macroeconômicas, tarifárias, tecnológicas, industriais, creditícias, ente outras) para que os países menos avançados do arranjo não fossem desfavorecidos; ainda, chamando a atenção para o papel diferenciado que os países mais avançados deveriam ter, especialmente na divisão regional do trabalho (se especializando em bens de capital) e no financiamento do desenvolvimento.

Este artigo trata da integração de infraestrutura da América do Sul a partir de uma perspectiva geopolítica, em dois sentidos: (1) no sentido da organização político-territorial no âmbito do espaço sul-americano, conforme proposto por Friedrich Raztel (1897), através do desenvolvimento, ocupação, valorização, articulação e integração dos espaços, aproveitando seus recursos em toda a sua potencialidade; (2) no sentido externo, da segurança e da projeção geopolítica dos países da região, influenciando o sistema internacional, suas decisões importantes e arcabouço jurídico-institucional.

Há uma relação muito clara entre desenvolvimento e a qualidade da infraestrutura. A infraestrutura constitui-se em base de apoio fundamental para o desenvolvimento de setores e espaços econômicos. Do ponto de vista geopolítico, Friedrich Ratzel e Rudolph Kjéllen chamaram a atenção para o papel da infraestrutura (vias de comunicação) na coesão político-territorial e no aproveitamento do potencial geográfico (riquezas naturais) de um espaço político-territorial nacional – ou seja, sua feição política e econômica (Backheuser, 1952, p.42).

A partir de uma concepção político-estratégica, este trabalho almeja: (1) propor objetivos político-estratégicos para o processo de integração regional e (2) conceber uma análise crítica à IIRSA e analisar suas perspectivas. Para isto, o trabalho está dividido em 5 seções. A primeira seção trata brevemente do quadro geral da infraestrutura de integração regional e discorre sobre a concepção na qual a IIRSA se apoia. A seção 2 aborda os aspectos político-geográficos mais relevantes da região. A seção 3 discorre sobre a questão da articulação entre infraestrutura, geopolítica e desenvolvimento no âmbito da integração da América do Sul, a partir da visão aqui proposta. A seção 4 se debruça sobre a IIRSA, sua estrutura institucional, seus princípios, e perspectivas. Por fim, a última seção é dedicada às conclusões e considerações finais.

1 – Aspectos da infraestrutura de integração regional

Uma conjunção de fatores - históricos, geográficos, econômicos e políticos - determinaram a distribuição das principais áreas de concentração econômica e populacional da América do Sul, de forma muito dispersa, concentradas na faixa litorânea, com atividades econômicas voltadas para o comércio exterior, inexistindo ou existindo apenas de forma muito inadequada conexões viárias entre elas. Estes fatores se relacionam à nossa colonização, ao nosso processo de independência formal, que gerou coalizões internas de poder nas quais elites conservadoras mantiveram influencia predominante nas decisões políticas internas, à projeção dos países centrais que desejavam manter uma relação econômica e política assimétrica com os nossos países, tendo acesso privilegiado aos seus recursos e mercados. Estes fatores influíram na inserção política e econômica internacional dos países sul-americanos pós-independência, e formaram economias exportadoras de bens de baixo valor agregado (commodities) para os países centrais, com sua geração de riqueza voltada para fora. Ainda, a região apresenta obstáculos naturais à sua integração, como a Amazônia e a Cordilheira dos Andes. A história de ocupação e colonização da região privilegiou o estabelecimento de pontos de conexão ao longo do litoral, a partir dos quais se organizou a exploração e ocupação do interior do continente. As opções de política econômica e de relações exteriores após nossa independência formal, em geral, reforçaram tais características. Não havia qualquer preocupação com a integração entre núcleos urbanos e/ou econômicos situados ao longo do litoral ou no interior: as ligações Norte-Sul nunca foram consideradas ou estimuladas, pois se tratava de articular a produção para fora, primeiramente para os países da Europa e posteriormente para os demais mercados dinâmicos do hemisfério Norte. Toda a infraestrutura de comunicações viárias foi e está predominantemente articulada para os portos.

Assim, a região é caracterizada como um vasto arquipélago com escassas conexões, realizadas através de longas rodovias (modal que participa com mais de 50% do comércio regional), resultando em fluxos de longa distância com elevadíssimos custos ao comércio intrarregional. Os modais ferroviário e aquaviário (hidroviário e de cabotagem), mais baratos e característicos para transportes de grandes cargas a longa distância, além de serem ambientalmente mais favoráveis, não são adequadamente utilizados e apresentam mau desempenho. A integração física regional baseada no modal rodoviário reflete a escolha de matriz de transporte dos países da região.[2] O potencial de comércio entre as principais áreas econômicas da região, e especialmente entre as áreas do Atlântico e do Pacífico, não é devidamente explorado. O centro da região (coração continental), área dotada de importantes recursos e ecossistemas, não está devidamente ocupado e interligado ao continente, ou mesmo à sua costa. O interior é praticamente despovoado. [3] Esta escassez de integração física pode ser considerada obstáculo maior que os sistemas tarifários a uma efetiva integração sul-americana.

De forma geral, os países da região não têm aproveitado suas complementaridades energéticas (reais e potenciais) em prol de uma política de desenvolvimento, de autonomia e seguridade energética regionais; embora algumas iniciativas possam apontar neste sentido[4]. É notória a insignificância (baixa densidade) das redes de dutos e de interconexões de linhas de transmissão entre países, quando comparada aos EUA e à Eurásia, e a escassez de projetos energéticos conjuntos ou de esquemas de comércio e reservas compartilhadas, apesar das potenciais complementaridades e autossuficiência regionais. Assim, não há uma coordenação adequada da infraestrutura regional para o aproveitamento de todo potencial econômico e político que um processo de integração da América do Sul pode proporcionar aos seus países - que permanecem caracterizados pelo subdesenvolvimento socioeconômico e por sua posição econômica e política subordinada no sistema internacional.

O diagnóstico de deficiência de infraestrutura de integração regional na América do Sul é lugar comum em análises com visões diferenciadas, embora possam ser apontadas diferentes explicações, para além das barreiras naturais da Amazônia e das cordilheiras andinas. No entanto, destacam-se visões diferenciadas sobre as formas de resolução desta deficiência: as prioridades, o papel dos diferentes atores, as formas de planejamento, a lógica predominante e a forma e a relevância da inserção econômica e política regional no sistema internacional, entre outros fatores.

A ênfase da visão dominante está sempre na formação de uma área de livre comércio regional e, neste âmbito, na igual importância da interconexão eficiente da produção dos países ao mercado global, ganhando proeminência o estabelecimento dos chamados corredores de exportação e a ligação “para fora” (para a costa). A provisão de infraestrutura trabalhando em ambos os sentidos – livre comércio regional e conexão competitiva global -, facilitando a mobilidade dos fluxos econômicos e cruzando o território, criaria mais oportunidades à integração regional, segundo esta perspectiva baseada no regionalismo aberto e na primazia da geoeconomia. Assim, o papel da infraestrutura é prioritariamente interconectar de forma eficiente a produção da região aos mercados globais, reforçando suas vantagens comparativas estáticas na divisão intra-regional e internacional do trabalho. A visão de formar uma área de livre comércio regional, presente no BID (2002), por exemplo, sempre trabalha pela integração com o NAFTA e de toda a América, e especialmente com os Estados Unidos (ALCA). A construção de corredores bioceânicos (de costa a costa), que deveriam ter um importante papel interligando a região e suas áreas interiores, especialmente se concebidos de forma interconectada às ligações interregionais Norte-Sul (constituindo corredores de integração), são concebidos de forma subordinada à ideia de integração da região “para fora” sob a perspectiva do regionalismo aberto (BID, 2002; www.iirsa.org).

A visão dominante sobre integração de infraestrutura regional (incluindo a visão do BID, 2002) reserva um papel menor ao Estado na economia, não somente em termos de participação nos investimentos, mas também no gerenciamento e planejamento da infraestrutura regional. Esta concepção toma como dada uma suposta restrição financeira estatal, devido aos seus compromissos com o “bom comportamento” macroeconômico, devendo priorizar e alcançar metas fiscais (superávit primário ou déficit nominal) e inflacionárias (ou cambiais), cumprir serviços da dívida, e restringir a política monetária e fiscal diante de um regime de livre mobilidade de capital, sob o julgamento dos mercados e compromissos com os organismos internacionais. Esta postura seria importante para uma suposta estabilidade econômica (leia-se, estabilidade de preços), que levaria à diminuição do risco-país e, em decorrência deste último, à maior atração de investimentos externos, também para área de infraestrutura.

Na esfera do planejamento e execução da infraestrutura, perde importância o papel centralizador do Estado que deve ser substituído pelo planejamento descentralizado e flexível, com projetos fragmentados e de menor escala, levados à frente pela sua capacidade de atrair financiamento e investimentos. O papel das instituições financeiras multilaterais aparece como fundamental nesta perspectiva. Estas instituições deveriam buscar novas formas de financiamento e instrumentos financeiros, não só para canalizar fundos, mas para mitigar riscos e custos, atrair e facilitar a participação privada. Outro papel é o de prover suporte técnico e financeiro para iniciativas de infraestrutura regionais (como a IIRSA e o Plano Puebla-Panamá) e “especialmente em termos de gerenciar riscos políticos e regulatórios” (Idem). Por último, as instituições financeiras multilaterais ainda devem apoiar estudos de viabilidade e pré-investimento, aparecendo em todas as fases de planejamento, financiamento e execução da integração regional de infraestrutura, inclusive estruturando a forma de concebê-la, através do suporte a estudos e pesquisa.

O processo de convergência normativa entre os países no âmbito da infraestrutura regional deveria atuar no sentido da facilitação de fluxos (bens e serviços) intrarregional de transportes, energia e comunicações. No campo da integração energética, a ênfase do arcabouço regulatório está na segurança aos investidores e na unificação do mercado de energéticos, assinalando a importância de harmonizar legislações e marcos regulatórios para atrair investimentos privados.

2 – Aspectos político-geográficos da região

Duas importantes condições político-geográficas a serem consideradas sobre a América do Sul são sua posição e seu espaço.

A região situa-se nos hemisférios sul e ocidental, o que lhe confere vantagens de proximidade geográfica entre seus países ainda maiores, visto que se encontra apartada das rotas comerciais globais de produtos de alto valor agregado dos países centrais que se dão no hemisfério norte, impactando em maiores custos de transporte dos centros internacionais para a região.

A região é cercada por dois oceanos, o Atlântico e o Pacífico, interligados ao norte pelo canal do Panamá e ao sul pelo estreito de Magalhães, pela passagem de Drake e pelo estreito de Beagle. Historicamente, a vertente do Atlântico foi mais importante para a região e para o seu comércio de longo curso.[5] No entanto, com a crescente importância e integração das economias da Ásia aos fluxos de comércio internacionais desde os anos 1980, e com a articulação mais intensa entre as economias do Pacífico (tanto em cifras quanto em acordos comerciais, de investimento e de financiamento), a vertente oceânica do Pacífico ganhou crescente importância regional e a Bacia do Pacífico maior importância geoeconômica e geopolítica global – revelada tanto em números econômicos quanto na formação de blocos como a APEC (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico)[6] e na Iniciativa do Arco do Pacífico Latino-americano [7]. A região contém significativos recursos estratégicos: biodiversidade, água, minerais, energia, entre outros. É agraciada com três bacias hidrográficas – Orinoco, Amazônica e do Prata – que juntas cruzam a região e tem potencial hidroviário significativo; podendo até ser integradas (através de significativas obras de engenharia) e assim integrar a região através dos rios (CAF, 1998). Seus rios caudalosos apresentam enorme potencial para a navegação e para o aproveitamento da energia hidráulica.

Por localizar-se no hemisfério ocidental, na massa territorial do continente americano, encontra-se em área de interesse e ação geoestratégica dos Estados Unidos, potência líder do sistema internacional, que a considerada sua zona de influência e seu perímetro de segurança. A postura intervencionista e imperialista dos EUA para a região se respalda na sua estratégia geopolítica de dominar a massa de recursos do hemisfério ocidental, explicitada desde a Doutrina Monroe (1823), que tem sua concepção geoestratégica proposta a partir de Spykman (1942), onde a hegemonia estadunidense no continente deve ser incontestável e irrevogável por questões de segurança[8]. Assim os EUA atuam na sua área de influência através de controle direto e indireto; além do estabelecimento de bases militares e de alianças, atuam através de meios pacíficos - instrumentos culturais, ideológicos e econômicos (tratados de comércio, investimentos e financiamento).

A América do Sul é uma região relativamente pacífica, que não regista em sua história conflitos generalizados pela hegemonia regional, mas predominam conflitos geopolíticos localizados focalizados em questões fronteiriças ou no controle de recursos localizados específicos. As relações entre os países da região sempre se caracterizaram por alianças que constituíram uma espécie de equilíbrio de poder regional, e só mais recentemente os países caminharam para uma maior cooperação. No entanto, deve-se registrar a constante ingerência de potências externas na região objetivando tanto influenciar conflitos e conter possíveis expansões, mas predominantemente procurando dividir politicamente a região para que não fosse possível a coordenação de forças entre os países (Kelly, 1997).

Diferentes visões sobre o papel da integração regional e especificamente sobre a integração de infraestrutura marcam os Estados e os diferentes grupos de interesse da região, decorrentes de fatores histórico-geográficos, políticos, econômicos e sociais. As diferentes visões decorrem de díspares concepções sobre como deve ser a inserção dos países e da região no sistema político e econômico internacional. Isto torna a integração regional mais difícil e complexa do ponto de vista da construção de um projeto regional harmônico pactuado entre os Estados – e revela a complexidade na busca de uma convergência entre estratégias nacionais e regionais dos países no âmbito deste processo de integração. A região ainda é marcada por significativas assimetrias estruturais, em diferentes dimensões.

O Brasil concentrando 47% do território e mais de 50% da população da América do Sul[9]. tendo fronteira com quase todos os países (exceto Chile e Equador), participando de maior parte da Amazônia, com acesso a duas das principais bacias hidrográficas regionais (Amazônica, a maior, e do Prata), tendo tanto projeção continental quanto marítima para o Atlântico (concentrando cerca de dois terços da costa atlântica). Vale ressaltar que este amplo território reproduz as mesmas características de integração territorial inadequada que prevalecem no subcontinente, com uma insuficiente articulação inter-regional, concentra mais de 50% do seu transporte de cargas no modal rodoviário e mais de 60% das rodovias se encontram em condições inadequadas – com as de melhor qualidade ligando os centros econômico-produtivos à costa. Em termos econômicos, o país concentra mais da metade do PIB regional, além de ter uma indústria mais diversificada e significativamente maior que a dos demais países - embora seu PIB per capita seja somente o quinto da região e proximamente abaixo da média regional (Padula, 2010). As dimensões relativas brasileiras e as assimetrias comerciais atualmente registradas e ampliadas, em favor do país, reforçam o temor de pretensões imperialistas regionais – ainda respaldadas nos interesses econômicos por parte de grupos de interesse dentro do Brasil. Por outro lado, estas assimetrias revelam um enorme potencial e oportunidade para que o Brasil exerça o papel de locomotiva do crescimento regional através do dinamismo de seu mercado interno potencial. Se o país crescer de forma significativa e simultaneamente adotar políticas para estimular suas importações regionais - inclusive através de investimentos e financiamento direcionados aos vizinhos - certamente impulsionará o crescimento e mudanças estruturais nos países da região. Este papel de “locomotiva do crescimento” é fundamental para afastar a vulnerabilidade dos países à penetração externa (pacífica ou não), criar interdependências, identidade e confiança mútua, atando os países ao processo de integração.

Brasil e Venezuela despontam como detentores de importantes reservas energéticas – o primeiro ganhando relevância com as significativas descobertas da camada Pré-Sal e a Venezuela possuindo as maiores reservas petrolíferas certificadas do mundo.[10] No espaço geográfico que envolve a região amazônica, no norte do Brasil e no sul da Venezuela, até a faixa petrolífera do Orinoco (região Amazonas-Orinoco), concentram-se recursos estratégicos, tanto energéticos quanto de biodiversidade, e ao mesmo tempo um enorme desafio socioeconômico e de articulação político-territorial. A Venezuela possui uma ocupação demográfica e econômica voltada para o Norte (mar caribenho), participa da Amazônia e da maior parte da Bacia do Orinoco, detendo a foz (no Sul do país) e a desembocadura (no Atlântico) do Rio Orinoco, seu principal rio que o corta de oeste a leste. O país possui uma zona em reclamação com a Guiana, sobre o limite territorial ao oeste do Rio Essequibo, e “fronteira viva” com a Colômbia, caracterizada por constantes tensões. A Colômbia se liga à América Central pelo istmo do Panamá, tendo acesso aos oceanos Atlântico e Pacífico (o último comportando os portos de Barranquilla, Cartagena e Santa Marta). Possui recursos energéticos e participa da Amazônia. Caracteriza-se por ser um aliado fundamental dos Estados Unidos na região, recebendo apoio financeiro através do Plano Colômbia desde 2000 e comportando bases militares estratégicas estadunidenses, predominantemente voltadas para a fronteira com a Venezuela e para a Amazônia. A Colômbia também compartilha tensões fronteiriças com o Equador.

Os países e espaços mediterrâneos da região, Paraguai e Bolívia (e também o Centro Oeste brasileiro), situados no coração continental (“heartland”) sul-americano, ao mesmo tempo em que sofrem com o confinamento do interior, sua posição lhes auferem enorme potencial para exercer o papel de plataforma de interligação do comércio regional e bioceânico. Assim, por questões econômicas e geopolíticas, além do acesso a mercados regionais (especialmente do Brasil), é urgente para eles o acesso ao mar de forma autônoma, e consequentemente aos mercados internacionais. A Bolívia, que perdeu seu território de acesso ao mar para o Chile na Guerra do Pacífico no fim do século XIX, reclama acesso soberano ao mar - e pretende levar tal relação a tribunal internacional. As mudanças territoriais geradas nesta Guerra causam até hoje contencioso diplomático entre Chile, Peru e Bolívia.

Para os países que compartilham a Amazônia, é muito importante a ocupação, desenvolvimento e integração da Amazônia, para garantir sua segurança e repelir interesses externos em sua internacionalização predatória ou justificada por falsos interesses ambientais cosmopolitas - devendo avançar através da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica. Neste sentido, a infraestrutura de transportes e energia tem papel fundamental. No entanto, a questão ambiental não deve ser encarada como a única fonte potencial de intervenção nesta região, pois devem ser relevados temas como: o estabelecimento de bases militares estadunidenses em países vizinhos (como a Colômbia e a Guiana), a presença de um território ultramarino francês (Guiana Francesa), o estabelecimento de territórios autônomos de povos indígenas, o narcotráfico e a internacionalização de conflitos intraestatais (Guimarães, 2005).

A Bacia do Prata apresenta enormes potenciais energéticos e de transportes subutilizados.[11] Para aproveitar o potencial remanescente da Bacia do Prata, é necessário articular interesses além do Tratado de Itaipu – Acordo Brasil-Paraguai para o aproveitamento do Rio do Paraná – e tornar efetivo o que está previsto no Tratado da Bacia do Prata (1969).

Os países andinos têm grandes motivações para estabelecer conexões de transporte eficientes com os países do Mercosul, superando as barreiras naturais da região, para ter maior mobilidade, acesso aos seus mercados e aos portos do litoral atlântico. Entretanto, as visões dos governos e de grupos de interesse internos dos países do litoral Pacífico, especialmente associados a interesses externos que se projetam na região, não se restringem a estas motivações – especialmente os governos e elites locais que abraçaram o liberalismo econômico combinado com estratégias exportadoras de commodities como possível motor da acumulação de riqueza. Eles veem sua posição geográfica como de grande importância para servir como porta de entrada para a América do Sul e ao mesmo tempo porta de saída da região (seu interior) para as economias da Ásia, especialmente a China, servindo como plataforma comercial e provedores de serviços logísticos.[12] Esta visão encontra apoio nas elites conservadoras que articulam sua riqueza a partir das exportações de commodities na Argentina e no Brasil (especialmente no Centro-Oeste), apoiadas pelos defensores polínicos e ideológicos de estratégias econômicas liberais.

A conjuntura do sistema internacional, desde os anos 1970, apresenta uma crescente disputa por mercados, um aumento da pressão competitiva geopolítica na busca de controle de recursos estratégicos de longo prazo, especialmente fontes energéticas, mas que deve incluir crescentemente a água e a biodiversidade no século XXI – recursos presentes na América do Sul. Neste cenário, configuram-se uma nova corrida capitalista e imperialista, incluindo disputas hegemônicas em todas as regiões do sistema internacional, nas quais a América do Sul está inescapavelmente inserida (Fiori, 2008). Nesta disputa, destacam-se as potências emergentes asiáticas – especialmente a China e a Índia - que buscam uma penetração pacífica na região através da costa do Pacífico.

3 – Infraestrutura, geopolítica e desenvolvimento na América do Sul

Considerando o quadro exposto na seção anterior e a posição hierárquica política e econômica periférica dos países da região, propomos que a integração regional, e consequentemente a integração de infraestrutura, devem ter objetivos geopolíticos próprios, coadunados a objetivos socioeconômicos. Do ponto de vista geopolítico, a integração regional deve ser concebida sob as dimensões (i) interna, de organização político-territorial do espaço regional, e (ii) externa, defensiva e ofensiva – respectivamente, de segurança e projeção de poder.

Sob o ponto de vista da articulação entre os objetivos geopolíticos e o papel da infraestrutura, ganha importância a necessidade de articulação adequada entre os espaços da América do Sul, construindo um único espaço regional, assim com o aproveitamento de seus recursos e potencial geográfico em favor da autonomia estratégica e projeção de poder da região. Seguimos aqui a concepção de Friedrich Ratzel (1897). Este autor, olhando para o que considerou como unificação “mal concluída” de sua Alemanha, se preocupou com a coexistência de regiões mais avançadas (núcleos ou centros) e regiões menos avançadas (periféricas, tributárias) em termos políticos, culturais e econômicos; as primeiras exerceriam efeitos concentradores e as últimas, com articulação um tanto frouxa em relação às primeiras e mais vulneráveis à penetração estrangeira (militar e pacífica), demandariam uma política de valorização territorial diferenciada. Assim, o autor observou a necessidade de que o Estado rearticule permanentemente a coesão social nacional e a unidade político-territorial, que tenderia a ser fragmentária, através da ocupação, desenvolvimento e integração do espaço nacional, para aproveitamento de todos os seus recursos e desenvolvimento e integração de todas as suas regiões. Apresenta então a ideia de nucleamento do território (espalhamento de polos), na qual a circulação e a mobilidade ganharam importância, e a infraestrutura tem papel fundamental - especialmente em processos de integração regional que tendem à fragmentação e onde atuem forças centrífugas. A proposta da integração como um instrumento para a ocupação, o desenvolvimento e a valorização do território em toda sua potencialidade geográfica, aparece na visão do economista político alemão Friedrich List (1841). Na proposta de zollverein e de unificação europeia, aproveitando seus recursos potenciais e transformando-os em poder efetivo, o grande valor da integração não seria somente material no seu sentido econômico, mas de poder e de sinergia social, com a consolidação de um território unificado e seguro. A constituição de regiões de fronteiras desenvolvidas e dinâmicas e a rearticulação permanentemente do espaço político-território regional, com um amplo e eficiente sistema de infraestrutura interligando os espaços, geram desenvolvimento socioeconômico e segurança no seu sentido mais amplo.

A concepção e os objetivos políticos desempenham papel fundamental no processo de integração regional. Podemos identificar dois planos de objetivos políticos entrelaçados que devem estar presentes. Na esfera interna, o objetivo político da integração deve ser o de afirmar e aumentar a legitimidade dos Estados membros, atendendo a demandas e condições sócio-políticas internas. No âmbito externo, como objetivo geopolítico, o processo de integração deve trabalhar em favor da projeção de poder, autonomia estratégica e protagonismo dos países membros como bloco no sistema internacional - influenciando decisões, sistema jurídico, regras e valores, a agenda e os organismos internacionais, que são determinantes para distribuição da riqueza e das possibilidades de desenvolvimento entre e dentro dos Estados. O poder não deve ser encarado somente como um fim, mas também por sua relação fundamental e recíproca com a geração de riqueza e acumulação de capital, e com o desenvolvimento e justiça social; e, em última instância, para um processo civilizatório mais amplo.

A análise de List (1841), sobre a unificação alemã e europeia, apresentou a importância de formar um agente com poder político capaz de induzir a industrialização e o desenvolvimento conjuntos, resolvendo questões nacionais, diante de forças políticas contingentes internas e externas. Sua análise também atenta às forças políticas internas dos Estados e suas associações com interesses e ideologias externas, relevando a ideologia predominante (na época, o liberalismo britânico), influenciando formuladores de política e as expectativas de atores e grupos políticos. A importância da hierarquia política e econômica interestatal regional e global revela-se na importância de que exista um Estado com capacidade de exercer a liderança regional cuidando dos Estados menores e menos favorecidos – distribuindo ganhos para o espaço unificado acumular riqueza e poder –, restringindo a ameaça da atuação de forças políticas externas. São os ganhos conjuntos que consolidam o processo de integração e geram estabilidade política regional. E esta política de distribuição de ganhos a partir do líder não deve ser vista como uma “política de generosidade”, na medida em que atende seus interesses de longo prazo.

A integração regional no seu sentido geopolítico é sempre um projeto defensivo e/ou expansivo, de um Estado ou de um grupo Estados. Ainda, em relação ao Estado hegemônico no sistema internacional, situa-se como: ou um projeto associado-dependente, e que conta com o seu apoio e consentimento; ou contestador, em busca de maior autonomia e ascensão na hierarquia política e economia internacional, e/ou trabalhando por uma ordem multipolar. É importante então situar um processo de integração e a região em relação à ordem mundial, às forças hegemônicas e contra-hegemônicas. Existem assim desafios externos à regionalização de uma agenda de desenvolvimento e da projeção geopolítica que provém das ações de potências extrarregionais, especialmente do país hegemônico, que tentam se projetar e estabelecer relações políticas e econômicas assimétricas com os países da região. O sistema internacional é caracterizado como anárquico, hierárquico e oligopolítisco, dinâmico e competitivo, num jogo de soma zero onde o poder relativo é fundamental. Por outro lado, o sistema regional apresenta clara possibilidade de cooperação em favor do aumento de poder de todos os Estados partícipes, num jogo de soma positiva.

O processo de integração, especialmente entre países periféricos, deve formar um amplo mercado regional assegurado e interconectado por um eficiente sistema de infraestrutura (comunicações, energia e transportes), almejando possibilitar o desenvolvimento conjunto e interconectado de indústrias de alto valor agregado e alta intensidade tecnológica entre os países envolvidos - especialmente em setores estratégicos.

Ao olhar para os países periféricos da América Latina e para os limites de sua industrialização, Prebisch (1959) observou a importância da integração regional para criar um amplo mercado comum regional, necessário para a instalação de indústrias tecnologicamente mais avançadas e cada vez mais complexas (cujas dimensões de investimentos e de produtividade exigem maior mercado e escala, que os países não possuem separadamente), que deveriam ser planejadamente distribuídas pelos países da região, formando uma divisão regional do trabalho baseada na produção e comércio industrial. Para ele, o “mercado comum” concerne mais à instalação de novas atividades que devem se desenvolver como resposta à necessidade do desenvolvimento (1959, p. 467). Assim, enxerga, num comércio recíproco mais intenso, estreita ligação entre o mercado comum e a aceleração do desenvolvimento da região, onde os países da região aprofundam planejadamente o processo de substituição de importações, reduzem suas restrições de divisas e vulnerabilidade externa. O desenvolvimento industrial proporciona uma ocupação da mão de obra mais qualificada e de maior renda, assim como a constituição de organizações trabalhistas com maior poder de barganha, impactando na qualidade de vida da população.

Prebisch (1959, pp. 476-8) aponta para a necessidade de uma divisão regional da produção baseada em diferentes ramos industriais para que os países aufiram todas as vantagens da especialização e ganhos de escala, e não que os países tentem implantar toda sorte de indústrias. Para ele, nesta divisão, os países economicamente mais avançados da região – Brasil, Argentina e México – devem se especializar na produção de bens de capital e favorecer as exportações dos demais países da região (menos avançados) de bens manufaturados finais, para que haja ganhos recíprocos, e para que as vantagens não se concentrem no primeiro grupo (Prebisch, 2001) – para que a integração não acentue as assimetrias regionais. A divisão regional da produção baseada em diferentes ramos industriais se mostra muito mais vantajosa que o padrão histórico de relação comercial centro-periferia, no qual os países da região se encaixam como exportadores de commodities na divisão internacional do trabalho (1959, p. 478). Como as situações relativas dos países da América Latina são desiguais em termos de desenvolvimento econômico e o mercado comum deve dar oportunidades iguais de desenvolvimento a eles, para Prebisch (1959, p. 467), se impõe um tratamento diferencial para lograr no possível essa igualdade de oportunidades frente ao mercado comum” (grifo original). Não se trata assim de simplesmente eliminar tarifas e proteções entre os países da região, que poderiam causar danos e desemprego nas atividades existentes.

Gunnar Myrdal (1956) e Albert Hirschman (1958) avançaram na análise sobre espaços econômicos e desenvolvimento, especialmente quanto aos aspectos de interação entre regiões e nações em diferentes estágios de desenvolvimento. Estes autores chamam a atenção para a atuação de forças centrípetas entre regiões e nações, que agem quando predominam as livres forças de mercado. Segundo Myrdal (1956, p. 87), nos países [ou regiões] subdesenvolvidos, estas forças podem provocar fortes efeitos regressivos. As regiões mais avançadas, com suas economias externas de aglomeração, atraem as melhores empresas, investimentos diretamente produtivos e em infraestrutura, capitais, mão-de-obra qualificada, entre outros fatores. Neste sentido, Hirschman (1958, p.275) assinala que o progresso econômico, que não se manifesta em toda parte ao mesmo tempo, ao surgir em um ponto determina pressões, tensões e compulsões em pontos subsequentes, que podem atuar no sentido favorável ou não ao desenvolvimento dos demais espaços. Por outro lado, eles reconhecem também que as regiões mais desenvolvidas proporcionam efeitos propulsores sobre as regiões menos desenvolvidas, mas que tendem a ser relativamente mais fracos que os efeitos regressivos. Na análise destes autores, a coexistência em espaços próximos de regiões em progresso e atrasadas é um dualismo mais comum aos países subdesenvolvidos. As relações entre a falta de integração e o atraso econômico são de influência mútua dentro de uma nação. Assim, a política e o planejamento assumem papel fundamental para combater as assimetrias espaciais, ocupar e desenvolver espaços, e tentar potencializar os efeitos propulsores e prevenir os mecanismos concentradores.

Aqui discutimos infraestrutura dentro da concepção de economia física e seus desdobramentos sobre os poderes produtivos de um determinado espaço produtivo (nacional ou regional). Nesta perspectiva, um adequado sistema de infraestrutura é fundamental para que uma economia opere de forma eficiente, liberando recursos (capital e energia, por exemplo) para serem empregados em outros setores e objetivos estratégicos. Ao contribuir à diminuição de custos e aumentando a produtividade (da mesma forma que o progresso tecnológico), os investimentos no setor de infraestrutura não geram produtos, geram a própria produtividade. Por sua importância, interconexões e externalidades, a infraestrutura física – energia, transportes e comunicações – demanda ações planejadas e integradas no âmbito da esfera e do interesse público. Ao estabelecer-se uma via de transporte, principalmente para um espaço economicamente inexplorado ou subdesenvolvido, é desejável que se estabeleça, ao mesmo tempo, oferta de infraestrutura energética e de comunicações.

Seguindo Hirschman (1958, p.131), apontamos que a infraestrutura (núcleo do Capital Fixo Social) deve ser pensada como o capital social básico sem o qual os demais setores produtivos - primário, secundário e terciário - não conseguem funcionar. Transportes, energia e comunicações, figuram entre setores imprescindíveis para o desenvolvimento, autonomia e segurança nacionais, especialmente no contexto geopolítico atual de escassez e grandes disputas estatais pelo controle de fontes energéticas, assim como de grande importância da rapidez, mobilidade, controle e processamento de informação. Devido às suas características e importância, o planejamento, o investimento e a oferta de infraestrutura são de caráter público, e exigem assim a atuação incisiva do Estado, com o capital privado atuando somente sob coordenação e cuidadosa concessão estatal.

A atividade de infraestrutura constitui-se em serviço de utilidade pública. A atuação privada deve sempre ser coordenada pelo setor público, segundo os interesses da sociedade. A questão do financiamento é fundamental. É o Estado, na maioria das vezes, que realiza a intermediação através de uma política de subsídio explícito (direto) ou implícito (cruzado). A decisão sobre a localização de investimentos se difere entre o âmbito privado e público. Enquanto o capital privado vê na rentabilidade a maior importância, a esfera pública deve relevar a utilidade social e interesses político-estratégicos, não se limitando a uma mera análise de custos e benefícios econômicos, mas também relevando os custos e benefícios políticos e socioeconômicos dos investimentos. [13]

Na questão do planejamento e orquestração centralizados dos investimentos em infraestrutura, é fundamental reconhecer a importância do estabelecimento de seqüências eficientes de investimentos, ideia descrita por Hirschman (1958), buscando maiores sinergias e ganhos agregados e na sequência de investimentos. Assim, os projetos não devem ser priorizados segundo seus ganhos separados ou sem levar em conta as sinergias e pressões geradas pelas diferentes sequências que podem ser estabelecidas – ou seja, a ordem dos fatores altera o produto. Quando se leva em conta os investimentos planejados, é preciso estabelecer prioridades de forma a potencializar ao maior grau os investimentos induzidos, tanto em atividades diretamente produtivas quanto em infraestrutura. [14]

Em uma região que contenha recursos e potenciais energéticos, caso o processo de integração almeje uma política de desenvolvimento e autonomia estratégica, deve necessariamente considerar uma política conjunta de planejamento energético que leve em conta as ofertas e as necessidades dos países, separadamente e em conjunto, com suas diferentes matrizes (fontes) energéticas. A energia, fator estratégico e de crescente carência e disputa internacional (especialmente devido aos desejos e carências dos países desenvolvidos), é fator fundamental tanto para as possibilidades de desenvolvimento socioeconômico, quanto para a autonomia e o fortalecimento do poder e da influência da região no sistema internacional. Na integração energética, os países da região devem aproveitar suas complementaridades (de reservas, matriz e regimes sazonais) e potenciais energéticos, assim como as ofertas excedentes versus as carências em alguns países e regiões, objetivando a seguridade energética regional. Esta ação deve olhar os energéticos e a região como um todo. Devem ser priorizados os projetos estruturantes envolvendo o maior número de países e interconexões. Em todos os projetos energéticos, além da cooperação tecnológica, o compartilhamento do financiamento e de riscos é um fator importante, envolvendo vários sócios e beneficiários.

Na produção e transmissão de energia elétrica, por exemplo, deve-se aproveitar as complementaridades resultantes dos diferentes regimes sazonais existentes na produção hidrelétrica. As diferentes matrizes (hidrelétricas ou termoelétricas) devem trabalhar em favor de um balanço regional harmônico. Neste sentido, demanda-se a construção de linhas de transmissão entre países vizinhos e de usinas de geração conjuntas (grandes hidrelétricas, pequenas centrais hidrelétricas e termelétricas) nas regiões fronteiriças e nos grandes rios. Todos os potenciais hidrelétricos devem ser aproveitados, e de forma conjunta entre os países quando isto resultar em maior potencial de geração – devendo-se avançar nos tratados e na legislação sobre o tema. Muito incipiente na América do Sul e crescentemente importante na matriz energética mundial, a exploração e produção de gás e a construção de gasodutos, cruzando e envolvendo o maior número de países da região, é fundamental para a geração de energia mais eficiente e menos poluente e o compartilhamento de reservas. No campo da energia nuclear, é preciso avançar cooperativamente na construção de usinas, em pesquisas e difusão de tecnologias. Um acordo regional para o consumo compartilhado, racional e cooperativo de petróleo e carvão, ou ainda a construção de oleodutos quando possível e viável, são necessários para aproveitamento racional destes energéticos, especialmente para a produção termelétrica - quando esta for necessária.

Assim, no caso da América do Sul, região que em seu conjunto possui autossuficiência energética, a integração energética se apresenta como necessária pelos seguintes motivos: prover a região de segurança e autonomia energética, aumentando seu poder no sistema internacional; promover a industrialização e o desenvolvimento nos países da região, gerando emprego e renda, através de uma maior disponibilidade de energia e de demanda para projetos industriais, especialmente os intensivos em energia e engenharia e de maior valor agregado; resolver os problemas de déficit de energia em alguns países da região, especialmente na Argentina, Chile e Uruguai, harmonizando o balanço energético regional.

Os investimentos em infraestrutura dentro da concepção aqui proposta são elementos fundamentais de uma política que pretenda uma ordem econômica voltada a resolver os problemas estruturais da região (América do Sul), e melhorar as condições de vida de sua população. No sentido de promover uma melhor distribuição espacial do desenvolvimento, uma melhor ocupação e coesão territorial, e a autonomia em setores estratégicos, os investimentos e a oferta de infraestrutura assumem um caráter geopolítico e estratégico regional. Adverte-se, no entanto, que as facilidades de transportes e comunicação podem gerar também facilidade à atuação de efeitos concentradores e/ou drenando para fora as riquezas da região antes subutilizadas – ou sem agregar-lhes o devido valor. Neste caso, seria necessária uma série de ações e cuidados, através de políticas públicas regionais, entre outras, políticas compensatórias, de acesso favorável a financiamento, de incentivo à produção e investimentos, e à qualificação de mão de obra. Priorizamos, neste sentido, a combinação da facilitação com a coordenação de fluxos econômicos e a formação de corredores de integração, sobre a lógica da facilitação de fluxos e de corredores de exportação, na qual a ótica e o investimento público assumem papel central. Por isso, não se pode discutir um modelo de infraestrutura separado de uma concepção geopolítica e de desenvolvimento regional, nacional e espacial.

4 - A lógica da IIRSA: geoeconomia e regionalismo aberto

Para analisar os caminhos que a integração regional de infraestrutura vem tomando nos anos 2000, é necessário discorreremos sobre a Iniciativa para Integração de Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), suas origens, estrutura institucional e princípios. Esta é a principal iniciativa em curso na região, criada em 2000, no âmbito da I Reunião de Presidentes da América do Sul.

De uma forma geral, os países da América do Sul, no passado anterior à ascensão do neoliberalismo e sob ampla vigência de governos militares, construíram sua infraestrutura sob planejamento central e investimentos estatais. Conforme destaca Eliezer Batista (1996, p.10), estes Estados desenvolveram esta infraestrutura principalmente baseados em objetivos geopolíticos nacionais individuais, priorizando a ocupação territorial e sua autossuficiência econômica num contexto nacional. Para o autor, isto levou a investimentos ineficientes e resultou na formação de “polos” econômicos. A partir disso, Batista prega a pronta substituição do objetivo geopolítico centrado no contexto nacional e na formação de polos pela primazia de uma perspectiva regional geoeconômicageoeconômica. como novo paradigma; visando simplesmente a eficiência econômica e a facilitação de fluxos econômicos, ao olhar para o continente como uma unidade territorial

O neoliberalismo e seus impulsos às reformas de liberalização econômica (comercial e financeira) pró-mercado chegaram à América Latina na década de 1980 e com maior força nos anos 1990, propagados aos países através das recomendações do Consenso de Washington e dos Programas de Ajuste Estrutural, tendo os países centrais e os organismos internacionais sob sua influência como seus difusores. Diferente da chamada “primeira onda” de regionalismo iniciada no pós Guerra, que em teoria buscava um arranjo de integração em favor do desenvolvimento industrial conjunto da região, mas que na prática fracassou diante da busca de estratégias nacionais individuais, esta “segunda onda” busca um modelo de integração aberta, conectando-se aos fluxos econômicos internacionais. As primeiras significativas aproximações entre os países sul-americanos se deram neste contexto e inicialmente almejavam objetivos meramente econômico-comerciais, baseadas no livre fluxo de fatores econômicos e em critérios de eficiência alocativa, buscando explorar complementaridades produtivas e vantagens comparativas estáticas. Como parte de um amplo programa de ajuste estrutural para a região, a visão dominante sobre integração regional se sofisticou, passando a incluir temas e objetivos não-econômicos (como instituições, marco regulatório, efeitos polarizadores, transformação produtiva, valor agregado, tecnologia, infraestrutura, entre outros), mesmo que de forma solta e contraditória. Ganhou assim um caráter mais atrativo e palatável, mas sempre submetidos à proeminência da eficiência alocativa de recursos econômicos, na qual a decisão privada de investimentos (notadamente o investimento estrangeiro) assume papel fundamental (Padula, 2010).

Na concepção do regionalismo aberto, apresentado pela CEPAL (1994), e do novo regionalismo, concebido pelo BID (2002), a integração regional seria um processo de progressivo aprofundamento visando à liberalização econômica intra-regional, que trabalharia fundamentalmente como um alicerce do processo de liberalização econômica internacional - iniciado na Rodada Uruguai do GATT e retomado na Rodada de Doha da OMC. Com base em sua proximidade geográfica, a formação de blocos regionais serviria como uma segunda melhor opção de política, diante de impasses à liberalização econômica internacional (a opção “first best”), e ao mesmo tempo instrumentos nas negociações multilaterais de liberalização – pois a negociação entre blocos, ao envolver menor número de atores, seria mais viável politicamente. A ideia é que uma região integrada permitiria distribuir melhor estes ganhos de comércio e se proteger de oscilações do comércio internacional. Indo além, o sentido político do regionalismo seria formar blocos para fortalecer as posições de barganha internacional dos países para negociar acordos multilaterais de livre comércio, para obterem ganhos na comercialização dos bens em que possuem vantagens comparativas. O novo regionalismo apresentado pelo BID (2002) tem como foco “a interação entre os esquemas correntes de integração sub-regional, a nova agenda lançada em Doha para discussão sobre o comércio multilateral, iniciativas Norte-Sul como a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), e os acordos inter-regionais com a União Européia e a Ásia” (p.1). Segundo o documento do BID de 2002, o sentido da integração regional seria a inserção competitiva dos países partícipes aproveitando as forças da globalização, aprofundando as reformas estruturais neoliberais iniciadas no meio dos anos 1980.

A criação da IIRSA foi concebida dentro do predomínio ideológico e de governos neoliberais na região, sob a lógica do regionalismo aberto, como um projeto para formar uma área de livre-comércio regional para trabalhar para a integração competitiva da região à ALCA (Área de Livre-comércio das Américas) e ao mercado global. Praticamente todos os governos da região eram neoliberais. [15] A IIRSA seria a coluna vertebral do bloco de livre-comércio sul-americano, e juntamente com o Plano Puebla-Panamá, outra iniciativa em curso que liga a América Central à América do Norte, seria a coluna vertebral da integração física da ALCA.

A liderança brasileira na criação e nos rumos da Iniciativa é evidente, conforme mostra Couto (2009), pois a IIRSA surge como uma iniciativa conjunta entre o Presidente Fernando Henrique e o Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Enrique Iglesias. Dois fatores põem ainda mais em relevo o protagonismo brasileiro na constituição da visão de planejamento da IIRSA: (1) seu apoio no conceito de Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, proposto por Batista (1996), que influenciou a sua concepção geoeconômica e sua análise técnica e esteve presente nos Planos Plurianuais do governo de Cardoso, e (2) seu apoio na filosofia de atração do capital privado para projetos, presente principalmente nos processos de privatização e concessão no Brasil. Vale ressaltar que o presidente Cardoso consolidou a identidade regional sul-americana na política externa brasileira (substituindo a identidade latino-americana), ainda que a concebesse como base de uma integração regional que seria um passo para a integração interamericana.

A IIRSA foi concebida como um projeto regional capitaneado por bancos multilaterais, que formam seu: a CAF (Corporação Andina de Fomento), o FONPLATA (Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do Prata) e o BID - este último altamente influenciado pelos EUA. [16] Por um lado, estas delegações buscavam aproveitar a maior agilidade e flexibilidade destas agências, driblando restrições orçamentárias e legais dos Estados, o que permitiu o avanço e a continuidade do projeto, malgrado inexistisse algum grau de institucionalidade, conforme afirma Couto (2009). Por outro lado, delegava-se demasiada influência a estas agências, que oscilam entre decisões estritamente técnicas e seus interesses próprios na região. A Iniciativa avançou de forma flexível e descentralizada e os investimentos são eleitos mais por sua capacidade de conseguir financiamento, dentro das supostas restrições de envolvimento dos Estados. Seu objetivo é impulsionar projetos (novos e ampliar existentes) de infraestrutura segundo critérios e princípios estabelecidos, identificando fórmulas inovadoras de apoio financeiro de maneira a estimular a participação de investidores privados e a mobilizar todos os recursos possíveis. A IIRSA agrupa projetos selecionados e enviados pelos governos dos países da região em uma ampla carteira, chamada carteira consensuada, na qual estes projetos recebem uma espécie de respaldo do “selo IIRSA”. A carteira serve como referência de projetos demandados para a integração e pelos países, incluindo em grande parte projetos direcionados a questões internas dos países e à conexão ao mercado global. [17] Assim, o impacto regional dos projetos não é uma variável relevante na hierarquização da carteira ou priorização de projetos. Comitê de Coordenação Técnica (CCT)

Estrutura Institucional IIRSA




Desde a sua origem, a IIRSA estabeleceu sete princípios orientadores que guiam suas ações para integração física regional. Os três principais princípios, porque em grande medida influenciam os demais, são o “Regionalismo Aberto”, os “Eixos de Integração e Desenvolvimento” (EIDs), e a “Coordenação Público-Privada”. [18] Este último propõe o compartilhamento entre governos (em distintos níveis) e o setor privado das ações, coordenação, responsabilidades, financiamento de investimentos, além de iniciativas para estabelecer um ambiente regulatório adequado à participação privada, no âmbito da integração de infraestrutura. O princípio da “Coordenação Público-Privada” influencia o da “Convergência Normativa”, para que esta impulsione investimentos, especialmente os estrangeiros. Ambos os princípios fundamentam-se na constatação de que os Estados possuem restrições financeiras para implantar um grande projeto de integração regional e aponta, assim, a priorização de projetos que atendam a critérios como capacidade de atrair investimentos privados e aumento da competitividade global. A ideia de escassez de recursos também levou à fragmentação de grandes projetos em conjuntos de pequenos projetos. Assim, os critérios supracitados - capacidade de atrair investimentos privados e aumento da competitividade global - acabariam influenciando a ordem e a distribuição espacial dos investimentos em infraestrutura, nos pequenos projetos da carteira IIRSA.

Assim, como o papel do investimento privado é tido como fundamental nesta perspectiva, seria necessário que os Estados proverem um arcabouço regulatório satisfatório e seguro para os investidores. O processo de convergência normativa entre os países no âmbito da infraestrutura regional deveria atuar neste sentido, além de garantir a liberdade intra-regional de fluxos (bens e serviços) de transportes, energia e comunicações. No campo da integração energética, a ênfase do arcabouço regulatório está na segurança aos investidores e na unificação do mercado de energéticos, assinalando a importância de harmonizar legislações e marcos regulatórios, e assim atraindo investimentos de alta escala em conexões, geração, transmissão, distribuição, e em infraestrutura energética em geral. Enquanto o Estado sai de cena, tornam-se fundamentais as privatizações, as concessões, as agências reguladoras e as formas de regulação e financiamento.

Os EIDs, que constituem o principal enfoque do Plano de Ação da IIRSA (BID, 2000), organizariam o espaço regional em torno de franjas multinacionais que concentram fluxos de comércio atuais ou potenciais. Os EIDs eleitos no âmbito da IIRSA são os seguintes: Eixo Andino, Eixo de Capricórnio, Eixo do Amazonas, Eixo do Escudo Guayanés, Eixo do Sul, Eixo Interoceânico Central, Eixo Mercosul-Chile, Eixo Peru-Brasil-Bolívia, Eixo Andino do Sul e Eixo da Hidrovia Paraná-Paraguai. uma divisão em grupos de projetos dentro dos EIDs, totalizando 47 grupos distribuídos não uniformemente pelos EIDs. O desenho voltado “para fora” de seus “Eixos de Integração e Desenvolvimento” (mapa abaixo) [19], diretamente influenciado pelo regionalismo aberto e pela lógica geoeconômica de facilitação de fluxos, enfoca a priorização da concepção (neoliberal) de corredores de exportação, buscando articular o interior do continente para a costa. Como podemos observar no mapa acima, todos os eixos são voltados para a costa e predominam os eixos bioceânicos e leste-oeste. Os únicos eixos Norte-Sul são os dois eixos do litoral Pacífico (Eixos Andino e Andino do Sul) e o da Hidrovia Paraná-Paraguai. Toda racionalidade geográfica de Eixos e a concepção (geo)política para a integração foram submetidas à racionalidade (geo)econômica dominante (Padula, 2010).

EIXOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO - IIRSA

Em geral, as obras eleitas pela IIRSA mostram-se dispersas, pontualmente importantes, e muitos dos projetos de transportes - predominantemente rodoviários, o modal mais caro e poluente – estão voltados para a costa. A carteira, em termos de valor e projetos, não aponta para uma tendência de reestruturação da matriz de transportes regional. A estratégia da IIRSA para a Amazônia se resume à construção de uma infraestrutura de conexão viária de corredores de exportação voltados para a costa, especialmente para o Pacífico e incluindo um eixo bioceânico, internacionalizando mais facilmente o acesso aos recursos da região e colocando-os a disposição da acumulação de poder e capital em outros países – notadamente aos Estados Unidos, países centrais e potências emergentes da Ásia (com destaque para China e Índia). Assim, em favor de uma ótica geoeconômica coerente com o regionalismo aberto, é ignorado o caráter geoestratégico desta região e seu potencial de contribuição para o desenvolvimento sul-americano, que provém dos recursos estratégicos que ela reúne.
A IIRSA se concentrou basicamente em pequenos projetos de transporte, abandonando as grandes obras energéticas e deixando de lado a possibilidade de levar à frente projetos estruturantes, como aponta o relatório de avaliação do próprio BID de 2008. A segmentação na concepção da infraestrutura de transportes, energia e comunicações, acompanhou a tendência regional, expressada no âmbito das reuniões presidenciais. Na I Reunião de Chefes de Estado dos países da Comunidade Sul-americana de Nações (CASA), realizada em Brasília em setembro de 2005, uma agenda prioritária de atividades com oitos temas foi eleita, como mostra o documento principal do encontro “Declaração Presidencial e Agenda Prioritária”, entre eles a integração regional de infraestrutura. É importante destacar que o documento separa as discussões sobre integração energética das discussões sobre integração física, embora o documento específico sobre integração física faça referência à integração energética. Esta separação foi confirmada nas reuniões subsequentes e no âmbito da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas). Na I Cúpula Energética Sul-americana, realizada nas Ilhas de Margerita (na Venezuela), nos dias 16 e 17 de abril de 2007, foi criado o Conselho Energético da América do Sul (CEAS), integrado pelos Ministros de Energia de cada país, que posteriormente foi incorporado à UNASUL.
O Tratado Constitutivo da UNASUL foi subscrito na reunião de Brasília em 23 de maio de 2008, criando uma organização dotada de personalidade jurídica internacional. A UNASUL apresenta como tendência a incorporação de programas, instituições ou organizações, criadas antes do seu Tratado constitutivo, em que seus Estados Membros participem, especialmente as de alcance regional, critério no qual se enquadra a IIRSA. A incorporação da IIRSA à UNASUL favorece uma maior participação dos governos no tema da infraestrutura de integração regional, embora não garanta tal participação e nem uma mudança na visão dominante sobre o tema.
Os países membros da UNASUL optaram pela constituição de Conselhos e Grupos de Trabalho setoriais, de natureza intergovernamental e integrados em sua maioria por Ministros das diversas pastas, como a forma mais adequada de coordenar os esforços que vêm se realizando na região. Os Conselhos e Grupos de Trabalho devem se reunir periodicamente e têm como objetivo elaborar planos de ação, pautados em problemas comuns, e ações e soluções coletivas. [20] No entanto, em alguns casos, foram aproveitadas instâncias já existentes para a formação de Conselhos, a partir de sua incorporação à UNASUL. Este é o caso do Conselho Energético da América do Sul (CEAS), criado em 2007, citado anteriormente. Ainda, em dezembro de 2009, os Presidentes da UNASUL decidiram pela criação do Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN); almejando alcançar maior controle e respaldo político sobre o tema da infraestrutura, assim como avançar para uma visão política e estratégica sobre o tema, indo além de questões meramente técnicas.
Em junho de 2010, na cidade de Quito, foi realizada a primeira reunião do Cosiplan, tendo como objetivos principais acordar seu Regulamento, Estatuto e linhas de ação - que seriam aprovados posteriormente pelos Presidentes. Nestes documentos, foi estabelecido que a IIRSA seria incorporada à UNASUL como órgão técnico do Cosiplan, e que este Conselho assumiria as funções do Comitê de Direção Executiva (CDE) da IIRSA. Com o intuito de dar continuidade aos trabalhos realizados pela Iniciativa nos seus dez anos de vida, o Cosiplan assumiria o lugar do órgão executivo da Iniciativa e contaria com os apoios do Comitê de Coordenadores Nacionais (no nível de Secretários Nacionais) e de um Foro Técnico (formado pelas instituições financeiras do CCT da IIRSA). Este último, direcionado a temas relacionados ao planejamento da infraestrutura regional sul-americana, incorporaria o capital institucional da IIRSA, sob as orientações do Cosiplan. [21] A expectativa é de que o Cosiplan confira o tratamento adequado a todas as questões, agregando a vantagem de ser um foro de alto nível político ligado à Unasul – e assim com maior respaldo político, inclusive para articular o financiamento das obras. Assim, a IIRSA receberia diretrizes políticas dos países da Unasul e não mais das agências financeiras multilaterais do CCT. Segundo consta em documento do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, sob uma visão que corrobora com as perspectivas do governo brasileiro a partir das mudanças estabelecidas:
“O Foro Técnico atuará como filtro prospectivo de projetos, de modo a transpor para o Cosiplan o acervo catalogado pela IIRSA e projetar novo arcabouço técnico com o devido respaldo político para ser trabalhado nos próximos anos. Caberá ao Cosiplan, então, redefinir a matriz de projetos e priorizar aqueles mais emblemáticos para o fortalecimento e a integração da infraestrutura regional, bem como buscar efetivas fontes de financiamento público às obras necessárias na região”.


As orientações da UNASUL e do Cosiplan são de que este último busque uma dinâmica interativa com o CEAS em temas de interesse e planejamento comum.
5 - Considerações finais e conclusões
Ao observarmos a composição da Carteira IIRSA 2003-2006 (Primeira Fase), com valor mobilizado de investimentos de aproximadamente US$ 22 bilhões, chama atenção a participação dos Tesouros Nacionais que estão aportando mais de 65% dos recursos, e a participação menor do setor privado e das instituições financeiras que formam o CCT. Esta participação dos governos revela uma contradição aos argumentos que embasam a IIRSA - capitaneada por instituições financeiras, sob critérios, orientações e interesses por elas definidos.
Esta visão predominante deu suporte à IIRSA nos seus dez primeiros anos de existência, sob a gestão das instituições financeiras BID, CAF e FONPLATA. A incorporação da IIRSA à UNASUL, como órgão técnico do Cosiplan, levando a uma maior proximidade dos governos das questões de integração de infraestrutura, carregando a maior capacidade dos Estados da região de legitimar este processo, reunindo forças e recursos econômicos, sinalizam uma oportunidade de mudança de rumo na integração de infraestrutura regional, para uma visão político-estratégica que leve adiante uma integração de fato.
Na visão que propomos ao longo deste trabalho, a proximidade geográfica entre países não constitui razão suficiente para a integração entre os países sul-americanos (Prebisch, 1959). Para que a integração tenha sentido, é preciso que estes compartilhem um projeto comum de: organização político-territorial e projeção geopolítica, industrialização, resolução de questões socioeconômicas, e inserção econômica e política estratégica no sistema internacional. A questão não é simplesmente construir uma infraestrutura para aproveitar as complementaridades de recursos e vantagens comparativas atuais entre as economias nacionais numa área de livre comércio regional – assim como criar facilidades para aumentar o fluxo regional de bens, recursos, pessoas e ideias, especialmente diante das assimetrias existentes.
A visão geoeconômica predominante na concepção da IIRSA deve ser deixada de lado por uma concepção geopolítica da integração de infraestrutura regional: de mobilidade e aproveitamento da continentalidade e maritimidade da região, ocupação e coesão política, econômica e social dos espaços e fronteiras, aproveitamento de recursos em favor do desenvolvimento autônomo da região. Os setores de transportes, energético e de comunicações devem ser concebidos de forma conjunta, aproveitando sinergias e complementaridade potenciais. A IIRSA buscou facilitar e eleger projetos com capacidade de atrair o interesse privado e na sua concepção de planejamento não utilizou critérios para diferenciar (valorizar e priorizar) as obras com maiores impactos regionais. Concluímos que não fica claro qual foi a contribuição adicional da IIRSA à construção de obras de infraestrutura na região, visto que estas obras provavelmente já teriam suas motivações e viabilidade de financiamento e execução.[22] Não foi estabelecida assim uma forma eficiente, dinâmica, sinérgica e indutora de transformação na infraestrutura de integração, na atividade diretamente produtiva, e nos espaços menos avançados, cuidando dos efeitos polarizadores.
Devido aos seus princípios e critérios, concluímos que, salvo em projetos pontuais, a IIRSA no seu sentido original tende a eleger obras de infraestrutura voltadas para fora, fragmentadas e dispersas pela região, sem levar à frente projetos estruturantes (que criam interdependência e impulsionam outros projetos) e sem garantir qualquer organicidade entre as obras. É importante notar que esta forma de priorização de projetos se afasta de qualquer possibilidade de se buscar uma sequência eficiente de investimentos, com capacidade indutora de mais investimentos. Esta infraestrutura destinada à exportação competitiva de commodities de baixo valor agregado (incluindo manufaturas baseadas em recursos naturais) favorece predominantemente os países desenvolvidos que a elas terão acesso e as suas empresas transacionais – gerando riquezas e empregos fora da região. Assim, a IIRSA, juntamente com o regionalismo aberto no qual se apoia, tendem a reforçar a especialização produtiva e comercial internacional dos países da região: baseada na produção de commodities, dependente da demanda dos países centrais, com a oferta de infraestrutura deficiente na integração entre os países mas voltada para o mercado global.
As grandes obras de infraestrutura, quando e se acontecerem, acabam ficando para as ações “por cima” entre governos, na maioria dos casos bilaterais ou trilaterais. Os grandes projetos de integração estruturantes e com função geopolítica demandam ações dos Estados, devido à sua necessidade de levantamento de recursos, coordenação, e planejamento. Somente através de um planejamento centralizado podemos levar à frente e priorizar estas obras. E, assim, poderemos construir um sistema ferroviário regional integrado (de Caracas à Buenos Aires e mais duas bioceânicas), a integração hidroviária (Orenoco, Amazônica e Prata), e um anel energético na região (com um grande gasoduto troncal vindo de Caracas a Buenos Aires, interligando-se com outras ramificações horizontais, como o Gasbol, e cruzando toda região).
Sem dúvida, a consolidação e a implementação de uma agenda regional de projetos de infraestrutura consensuada entre os doze países da América do Sul, realizada no âmbito da IIRSA, representa um avanço significativo no processo de integração física. O que precisamos saber é qual rumo a UNASUL, e seus governos, darão a esta Iniciativa.
As assimetrias espaciais e o subdesenvolvimento econômico, a subutilização e fragmentação dos espaços, a coexistência de um enorme potencial com subutilização de recursos estratégicos, combinados com uma inserção política e econômica subordinada e a ausência de uma articulação política regional que coordene as ações dos países (consequência da ausência de uma liderança estatal capaz e com vontade política de levar este processo), deixam a região vulnerável às ações de controle direto e indireto de potências externas.
Enquanto a visão geoeconômica abre maiores espaços à atuação e à penetração de potências de fora da região, principalmente da China e dos Estados Unidos, a visão geopolítica aqui proposta busca afastar estas forças, através do desenvolvimento econômico e político conjunto dos países da região e do aumento da sua autonomia e poder no sistema internacional. O desenvolvimento, a ocupação e a integração dos espaços territoriais da região e de seus recursos potenciais para aproveitamento em favor da acumulação de riqueza e poder dos seus países, têm papel fundamental nesta tarefa. O Brasil país de maior peso econômico, político, espacial e demográfico na região deve ter um papel diferenciado neste sentido, promovendo a integração e o desenvolvimento dos países da região, não simplesmente por generosidade, mas porque isto condiz aos seus interesses estratégicos.
É condição imprescindível a condução dos Estados (além dos governos) e de sua capacidade estratégia e de articular processos. Não é possível levar à frente um projeto de integração político-estratégico sob a lógica do regionalismo aberto, com menor capacidade e influência dos Estados e maior papel dado ao mercado e ao setor privado. A capacidade dos Estados de implementar projetos com ampla aceitação e sentimento de pertencimento da sociedade torna-se assim um fator fundamental, num momento em que os Estados perderam (mas alguns tendem a recuperar) capacidade infraestrutural e controle de instrumentos políticos importantes, em razão dos pífios resultados e reformas neoliberais.
Os investimentos estrangeiros na região se concentram predominantemente na viabilização de condições de acesso à exploração de recursos naturais. Desde 2006, observamos a tendência de aproximação dos governos em relação à IIRSA e à infraestrutura de integração, e de absorção da Iniciativa pela UNASUL em 2010. Destacamos que o mais importante é que se consolide uma mudança na visão estratégica e de planejamento da integração de infraestrutura regional no âmbito da UNASUL. E esta mudança ainda não está garantida.


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[1] Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI), ministra disciplinas nesta pós-graduação e nas graduações de Relações Internacionais e Defesa e Gestão Estratégica Internacional. Editor da revista Oikos.
[2] A opção pelo modal rodoviário tem como razões o menor custo e a maior flexibilidade (modulação) na implantação de sua infraestrutura, e, em alguns países, como o Brasil, o objetivo de impulsionar a indústria automobilística e o complexo metal-mecânico. A operacionalidade, a flexibilidade e a agressividade dos operadores de transporte deste modal podem reforçar e criar dificuldades a possíveis mudanças em seu predomínio na matriz de transportes.
[3] Exemplos disso são as seguintes regiões: a Amazônia, os Cerrados, o Pantanal, o Chaco e os Pampas.
[4] As iniciativas regionais de integração energética fora da IIRSA, especialmente impulsionadas pela Venezuela como potência energética regional, denotam motivações de projeção geopolítica, desenvolvimento econômico e social e autonomia dos países da região, mantendo a soberania dos Estados e trabalhando pela unidade regional, muito diferente da concepção que vigora na IIRSA. São exemplos iniciativas como o Gasoduto do Sul (envolvendo Venezuela-Brasil-Argentina e chegando ao Uruguai, em fase de estudos), a Petroamerica, Petrocaribe (no âmbito na ALBA, estabelecida em 2005)[4], Petroandina (no âmbito da CAN), e Petrosul (com Brasil e Argentina, incluindo posteriormente o Uruguai). A cooperação energética é um dos principais eixos de integração da iniciativa da ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas) impulsionada pela Venezuela (Granato & Oddone, 2008).
[5] Prevaleceu historicamente a vocação geopolítica de atração do Atlântico, tanto devido à presença de importantes bacias hidrográficas ligadas ao litoral, onde o relevo mais baixo favorece a articulação com o interior, quanto pelo isolamento do litoral pacífico proporcionado pela cordilheira, como obstáculo natural. Mas também pela sua relativa proximidade dos mercados mais dinâmicos dos países centrais – dos EUA e da Europa.
[6] Atualmente a APEC conta com 21 membros: Austrália; Brunei; Canadá; Chile; China; Hong Kong; Indonésia; Japão; Coreia do Sul; Malásia; México; Nova Zelândia; Papua-Nova Guiné; Peru; Filipinas; Rússia; Singapura; Taiwan; Tailândia; Estados Unidos; Vietname. Criada em 1989, como um fórum de discussão entre países da ASEAN (Association of the South-East Asian Nations) e alguns parceiros econômicos da região do Pacífico, se tornou um bloco econômico apenas em 1994, na Conferência de Seattle, quando os países se comprometeram a transformar o Pacífico numa área de livre-comércio.
[7] Foi criada em janeiro de 2007 na reunião de Santiago de Cali, sob a iniciativa do governo do Perú, com a denominação de Forum sobre a Iniciativa da Bacia do Pacífico Latino-americana, tendo como membros: Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e Peru. Seu objetivo seria promover “ações conjuntas que permitam uma cooperação mais dinâmica dos países da Bacia do Pacífico Latino-americano entre si e conducentes a maiores aproximações com a Ásia Pacífico”, como consta na Declaração de Santiago de Cali que lançou a iniciativa (citado em Briceño Ruiz, 2010, p.52; disponível no sítio da iniciativa: www.arcodelpacifico.org).
[8] Sykman (Idem, p.436) constatou a provável necessidade de conquistar os Estados do hemisfério ocidental de maneira compulsória, através da coerção estatal, pois estes não aceitariam de boa vontade as mudanças necessárias à formação de uma região autarquicamente integrada sob a hegemonia de Washington, atendendo os objetivos geoestratégicos estadunidenses de contrabalançar uma possível hegemonia na Eurásia que conferisse a um Estado um excedente de poder não compensado que possibilitasse sua projeção ao continente e ao domínio global. Neste sentido, o estabelecimento de bases e monitoramento militares tanto na costa do Pacífico quanto na do Atlântico, especialmente no promontório do Nordeste brasileiro – por sua proximidade da costa ocidental da África -, seriam fundamentais à segurança e domínio hemisférico.
[9] O processo de colonização portuguesa e independência diferenciada em relação aos países da América espanhola possibilitaram a expansão do território brasileiro para além dos limites de Tordesilhas e a manutenção de seu domínio sob uma única autoridade política.
[10] Após o Ministério de Energia e Petróleo da Venezuela (Menpet) anunciar a certificação de um conjunto de blocos da Faixa Petrolífera do Orinoco, o país tornou-se o primeiro em reservas certificadas de petróleo no mundo. Atualmente o país produz 3 milhões de barris diários e busca duplicar a produção nos próximos vinte anos (fonte: Boletim Camarabv, Ano 3, nº 41, Fevereiro de 2011). Ainda, tem significativas reservas gasíferas na era do Golfo de Párea.
[11] Podemos citar como exemplos os projetos hidrelétricos em estudo de Garabí (1.500 MW), no rio Uruguai, e de Corpus (3.400 MW), no rio Paraná; além da ampliação das cotas de Itaipú (mais 1.400 MW) e de Yaciretá (mais 1.000 MW). O aproveitamento do potencial hidrelétrico concebido conjuntamente com a construção de eclusas e outras intervenções na Bacia, propiciaria a navegação hidroviária e a articulação do interior do continente ao Atlântico.
[12] De fato, este é um tema prioritário e mesmo um tema de disputa entre estes países, para desempenhar este papel de plataforma de ligação comercial entre os mercados da Bacia do Pacífico e da América do Sul – especialmente para a exportação do agronegócio e extrativismo do Centro-oeste brasileiro, incluindo ainda o acesso à Amazônia, e também porta a importação de manufaturados asiáticos.
[13] Na América do Sul, um espaço continental, a ação planejada e integrada em infraestrutura tem que obrigatoriamente buscar três ações (os “3 Is”): Induzir o desenvolvimento em espaços isolados e/ou menos desenvolvidos; Integrar os espaços e mercados, já desenvolvidos, criando sinergias; Irrigar economicamente os espaços desenvolvidos (centros econômicos) que se encontram saturados (sofrem com deseconomias de aglomeração e congestionamentos).
[14] Devemos identificar os tipos de projetos com maior efeito indutor, e que devem ter prioridade na aplicação e apoio de recursos, puxando as seqüências: (i) os grandes projetos estruturantes – demandantes de recursos vultosos – como os grandes gasodutos, ferrovias e hidrovias que cruzam o maior número de países, assim como grandes refinarias; (ii) os projetos direcionados a localidades subdesenvolvidas que apresentam enorme potencial, em que economias externas serão geradas e impulsionaram mais atividades.
[15] Além de Cardoso, os outros Presidentes presentes foram: Argentina, Fernando De la Rúa; Bolívia, Hugo Bánzer Suárez; Chile, Ricardo Lagos Escobar; Colômbia, Andrés Pastrana Arango; Equador, Gustavo Noboa; Guiana, Bharrat Jagdeo; Paraguai, Luis Angel González Macchi; Peru, Alberto Fujimori Fujimori; Suriname, Runaldo Ronald Venetiaan; Uruguai, Jorge Batlle Ibañez; e Venezuela, Hugo Chávez.
[16] Vale sublinhar a estrutura institucional da IIRSA. As diretrizes e prioridades estabelecidas pelos governos são transmitidas à IIRSA a partir de um conselho de ministros de planejamento e de infraestrutura que formam o Comitê de Direção Executiva (CDE), que se reúne uma vez ao ano. A coordenação dos trabalhos e dos grupos técnicos (GTEs, responsáveis pela execução dos trabalhos) cabe às agências financeiras multilaterais (BID, CAF e FONPLATA) que formam o CCT, estabelecido como secretaria executiva do CDE. A partir do agrupamento de projetos realizado pelo GTE, o CCT, baseado em diagnósticos de identificação das principais atividades econômicas e de seus fluxos de comércio existentes e potenciais, e seguindo os princípios da IIRSA, realiza um processo técnico de hierarquização dos projetos e encaminha ao CDE para análise. O CCT é ainda o responsável pela contratação de estudos e consultorias para orientar a tomada de decisão dos governos sobre os projetos e avanços do processo de integração física. Os EUA têm peso de 30% no total de votos nas decisões do BID, provenientes de sua participação no fundo. É interessante notar que as instituições do CCT atuaram como promotoras da ALCA. Um Plano de Ação elaborado pelo BID – que contou amplamente com aportes da CAF e com insumos de outros organismos regionais relevantes e dos países sul-americanos - apresentou sugestões e propostas, com um horizonte de dez anos.
[17] Atualmente, a carteira conta com 506 projetos, com investimento estimado em US$ 68 bilhões - cerca de 3,5% do PIB da região.
[18] Estes princípios orientadores básicos devem guiar as ações dos governos e instituições financeiras envolvidas que formam o CCT. São eles que estruturam as atividades da IIRSA e que relacionam seus objetivos gerais com as demais iniciativas na região. Os demais princípios são: Sustenibilidade econômica, social, ambiental e político-institucional; Aumento do Valor Agregado do Produto; Tecnologias da Informação e; Convergência Normativa.
[19] Este é um princípio técnico, organizado em torno de franjas multinacionais que concentram fluxos de comércio reais e potenciais. Os eixos de integração utilizados são: Eixo Andino, Eixo de Capricórnio, Eixo do Amazonas, Eixo do Escudo Guayanés, Eixo do Sul, Eixo Interoceânico Central, Eixo Mercosul-Chile, Eixo Perú-Brasil-Bolívia, (posteriormente incluídos) Eixo Andino do Sul e Eixo da Hidrovia Paraguai-Paraná.
[20] Os Conselhos criados no âmbito da UNASUL são: o Conselho de Defesa Sulamericano, o Conselho de Saúde Sulamericano, o Conselho Sulamericano de Desenvolvimento Social, o Conselho Sulamericano de Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Inovação, o Conselho Sulamericano de Luta contra o Narcotráfico.
[21] Balanço de Política Externa 2003-2010, disponível em: www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010.
[22] Esta conclusão é compartilhada pelo próprio relatório interno do BID de avaliação de sua gestão da IIRSA: IDB (OVE – Office of Evaluation and Oversight). “Evaluation of the IDB Action in the Initiative for Integration of Regional Infrastructure in South America (IIRSA)” (RE-338). Washington, D.C.: IDB, April 2008.

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